TÊM COISAS QUE NÃO SE DISCUTEM…

Passei bom tem acreditando que certas coisas na vida não são discutíveis por conta de tabu, por serem assuntos sensíveis, intimistas…

Bem, mas esse tempo já passou e a minha opinião formada acerca das (IN)discussões também!

O problema não são os assuntos e, sim, as pessoas.

Seu Onofrinho era homem bom, comerciante de descendência portuguesa, afinal, batia fortemente no peito e dizia que só não nasceu em Portugal porque a mãe subiu num navio antes do seu nascimento.

Foi dono de um boteco, que ele adorava chamar de confeitaria, por muito tempo.

Era coisa passada de pai para filho, pois o pai de Onofrinho aportou no Brasil, na década de 30.

Coitadinho do menino! Desde a mais pequenina idade viveu dentro do recinto comercial do pai.

A mãe descia as escadas da casa que dava acesso ao boteco/confeitaria, com a criança no colo e tinha que dar conta do filho e das broas que fazia, junto com mais um punhado de quitandas desfiguradas em suas aparências.

Como o bairro era novo e não havia opção, João Onofre Pereira, pai de Onofrinho, ganhava aos cântaros.

A coisa melhorou quando a tia do menino veio de Portugal para morar com a família.

Tia Amália cozinhava que era uma beleza.

Aí o estabelecimento deslanchou, mas a tia Amália conheceu um gajo brasileiro e deixou  Onofre na mão e foi viver sua vida com seu amor.

Aos quinze anos, Onofrinho já dava conta de todas as responsabilidades do estabelecimento do pai sob os cascudos que levava ao pé do ouvido.

Não levou mais alguns anos e seu João se foi.

A coisa pegou para o lado do jovem que passou a se dedicar inteiramente à herança que o pai lhe deixou.

Onofrinho se tornou rapaz mediano em tudo – pouco estudo, pouco tino para os negócios, pouca paciência, com os pelos nas ventas sempre balançando.

Abria as portas bem cedo para garantir, pelo menos, os cacetinhos (pão francês) e depois o resto era um restrito lucro que, ao fim do mês, mal dava para pagar as despesas básicas que o estabelecimento pedia.

Nofrinho, como muitos passaram a chamar, não casou, não constituiu família.

Era louco pela Rita, mulata de corpo entalhado com generosidade, mas Rita, não amava Onofrinho. Na verdade, para Rita, Onofrinho não existia.

Tinha dias que eu frequentava o boteco do Nofrinho. Agarrava num truco e numas garrafas de cerveja que, até chegarem à mesa já estavam mornas, porque Nofrinho era tacanha e não mantinha o refrigerador ligado o tempo todo.

O ambiente era gostoso.

A gente falava de tudo – mulher, sexo, política, religião, sonhos, família, dinheiro.

A roda, quando chegava perto das oito da noite, horário em que tínhamos que bater continências às nossas amadas esposas, ia se dissipando, porém, a gente se desestressava olhando o mundo com encanto, alegria e responsabilidade, no boteco do Nofrinho.

Onofrinho, raramente saía de trás do balcão.

Não tinha funcionário, vivia com um pano de prato encardido jogado no ombro e, quem quisesse, que fosse até o balcão buscar seu pedido… Vez ou outra, de tanto os amigos pedirem ele levava uma garrafa de cerveja até a mesa, daquele jeito – cara fechada, papo raso… e cerveja quente!

Foi nessa época e, não em outra, que descobri que, o problema não é o assunto, mas sim as pessoas com as quais falamos…

No fim, tudo pode ser discutido.

É só questão de encontrar a pessoa certa… Aquela que está disposta a ouvir o ponto de vista dos outros e expressar o seu.

Onofrinho viveu pouco, como o pai.

Não tolerava nada. Não tinha opinião, mas discordava de tudo ao ponto de sair na braçada.

Hoje, seu estabelecimento foi levado abaixo.

Construíram um prédio de três andares, onde funcionam escritórios de advocacia e contabilidade e no térreo uma agência de viagem.

A praça que ficava do outro lado do boteco ainda permanece e, eu, no auge dos meus setenta e poucos anos, relembro das rabugices do Nofrinho, que não falava de sexo, futebol, religião, política, família, porque o pobre não viveu, apenas passou pela vida, não gostando de nada.

Talvez, se tivesse casado com Ritinha, mulata faceira, teria sido outro homem, sem amargor e espaços abertos para a felicidade.

Rita, torneada com generosidade, vez ou outra, passa pela pracinha, carregando o bisneto que é a sua maior alegria…

Quem sabe lá do céu, Nofrinho suspira, dizendo: “Ai, Ai, Ritinha!”

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