CININHA…

Cininha era desses seres simples, mas que de tão simples tornava-se impossível de se explicar.

Na verdade, Cininha a gente sentia na alma, no coração que bate, nem sempre dentro do peito.

Nasceu e cresceu em Riacho dos Pássaros, cidadezinha cheia de encantos, dessas, onde em cada poça d’água se ergue um arco-íris… onde em cada meio fio de calçada brota uma flor.

Uma infância amena e desprovida de qualquer pretensão, mas cheia de sonhos.

Desde menina arrumava-se em laços e chitas floridas, porque queria casar.

Todos os dias, depois das aulas, que aconteciam no armazém da Dona Anita, corria para casa, almoçava aos solavancos e corria para a janela, onde se debruçava e passava horas a encarar ingenuamente os meninos que jogavam fubeca, do outro lado da calçada.

Nada dizia, mas ali ficava, a sonhar seu noivo.

Era Tião que a olhava de soslaio, enquanto batia com os dedos desajeitados nas bolinhas de vidro.

E como custava tirar a menina da torre do seu castelo.

Precisava a mãe agarrá-la pelos cabelos e arrastá-la para o mundo que acontecia fora dali.

Ela chorava em soluços sonoros para depois o pai afagá-la, docemente.

Durante anos a fio foi assim.

E como todos os mantras acabam por dar certo, Cininha cresceu, fez-se rosa delicada e bela e casou-se com Tião.

Festa bonita a de suas bodas.

Vestido branco como a face da lua, flores perfumadas de laranjeiras, vasos de camélias espalhados pelo salão da Paróquia do Padre Felício.

Cininha não cabia dentro de toda a felicidade que lhe pertencia.

Depois da cerimônia a vida tomou seu curso linear e, como muitos dizem, normal.

Dias… anos… e em todos eles momentos de felicidade, porque Cininha nasceu para ser feliz, para seguir sem nada querer.

Tião levava a responsabilidade de marido a sério.

A mãe quis que a filha continuasse a viver, agora com o esposo, debaixo das suas asas. E assim foi feito com o acordo da moça e do seu consorte.

A maternidade não veio.

Tião agarrou paixão pelas fantásticas pernas da malabarista do circo, que veio instala-se na cidade.

Cininha mudou de cor, perdeu o viço… de rosa que era passou a azul-gardênia.

Voltou para o parapeito da mesma janela, onde passou seus dias de menina.

Já não tinha mais o pai para afagar suas lágrimas, nem a mãe a lhe puxar pelos cabelos e tirá-la da sua torre. Nem Tião a olhava do outro lado.

Apenas ali ficava, acenando para quem passasse.

Vieram os pombos, para quem ela jogava migalhas de pão ou farelo de milho.

Depois chegou Perreco, um cão magrelo e descadeirado que se arrastava para ficar bem perto de Cininha.

Sua figura, antes tão inexplicável, passou a ser invisível.

Marotices das crianças, cochichos das velhas e chacotas dos homens que vinham a caminho na lida dos dias.

Janela aberta dia e noite. A casa no desleixo.

Cininha alheia ao que lhe chamava todas as manhãs, ali, além da janela…

Via mas não enxergava. Enxergava, mas não via.

Um dia, desses que nascem assim, com o sol mais ameno e uma aragem serena, a janela passou vazia, sem olhares perdidos, sem migalhas de pão para Perreco ou farelo de milho aos pombos.

Veio a noite e as luas e as estrelas brilharam sem companhia.

Cininha se foi.

Quedou-se do outro lado, sem alarde… sem ruído.

O motivo? Um misto de todas as emoções, sentimentos e sensações que todo ser traz consigo.

Ninguém percebeu!

Um enterro às pressas, feito sem pompa… tão simples e inexplicável quanto a própria Cininha.

A ausência maior coube a Perreco, que se definhou ao pé da janela, onde encontrava a amiga todas as manhãs e entre silenciosos olhares, numa linguagem universal de todas as criatura se comunicavam.

E a vida? Bem, ela continua, em Riacho dos Pássaros ou como em qualquer canto do mundo, com as Cininhas… os Tiões… com a sina ou com o fado de tudo aquilo que cada um tem que viver.

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