FIM DO MUNDO OU O COMEÇO DE UMA NOVA ERA…

Passaram-se cinco anos inteiros da Pandemia e ainda lembramos dela.

Seu impacto foi drástico, mudando os costumes, a cultura, as condições socioeconômicas e relacionais de um mundo inteiro.

Percebi isso ainda ontem, quando estava na sala de espera de um luxuoso consultório médico, enquanto aguardava uma consulta.

Essa foi uma das mudanças que a pandemia deixou.

Com o vírus espalhado pelo universo todo, muitas pessoas perderam seus empregos e a garantia de uma carteira assinada que assegurava direitos básicos e também essenciais para a vida do ser humano.

Com a inadimplência forçada dos desempregados, muitos empresários de cooperativas médicas foram obrigados a encerrar suas atividades ou oferecer parceria com o SUS.

Com essas parcerias, muitos médicos que atendiam única e exclusivamente dentro de um sistema particular de consultas, tiveram que começar a atender os “pobrinhos”, como eu.

Gosto do movimento dos Postos de Saúde. Sempre fui muito bem atendida e não vejo diferença nenhuma por parte dos funcionários públicos. Na verdade, eles fazem o que podem com o que tem e, de forma muito bem feita.

Mas enfim, eu estava numa sala chiquérrima, sentada numa poltrona ultra confortável, uma máquina moderníssima que oferecia aos pacientes diferentes tipos de café, água, bolachinhas, balinhas, guardanapos com desenho em alto relevo, uma parede forrada de quadros de artistas diversos (e veja bem, não eram reproduções gráficas de quadros. Eram quadros realmente autênticos assinados pelos seus criadores). Num canto da sala havia um espaço que era oferecido às crianças com muitos lápis, canetinhas hidrocores, brinquedos e uma minúscula piscina de bolinhas.

Assim como eu, outras tantas pessoas esperavam.

Corri os olhos pelo ambiente.

Na minha época, um cesto onde deixavam umas revistas para a gente ler enquanto se espera, estava sempre às mãos.

Adorava folhear e ler os artigos das revistas. Muitas delas já nem existem mais ou estão todas online.

Um dia achei uma carta de amor que uma suposta paciente tinha deixado para o seu médico, com um Poema da Leila Cordeiro “SOU TUA”. Lindo esse poema. Mas não chegou às mãos do seu amor porque eu roubei para mim o poema. Tenho até hoje.

Depois de procurar o bendito cesto corri os olhos à procura de uns olhos que estivessem me olhando… ou quem sabe um, caolho, igual a mim.

Seis adultos, comigo sete e, duas crianças.

Ninguém estava com a cabeça erguida, exceto eu, que adoro puxar conversa fiada. Todos enfiados em corcovas, nas telas dos seus celulares.

Lembrei-me das MULHERES GIRAFAS, na Tailândia, que colocam argolas de bronze para manter seus pescoços longos e eretos, como forma de beleza (hoje esse costume já não é tão utilizado pelas novas gerações), enquanto o resto do mundo destrói sua coluna com o extenso tempo que utilizam em seus celulares.

Devemos respeitar as escolhas de todos sem exceção. Não devemos julgar, assim deixou Papa Francisco como legado.

Então fico fazendo conjeturas silenciosas comigo e com meu Tico e meu Teco.

Não vejo fascínio em passar horas vendo fotos de pessoas que não conheço, de lugares que nunca foram.

A realidade nunca foi tão artificial e tão distorcida como no período pós-pandemia e, é tão alarmante que, em muitos casos fica realmente difícil saber o que é real e o que é manipulado.

Um mundo distópico… ectópico!

Mas voltando à sala de espera, uma onda de infelicidade me invadiu, ao ver várias pessoas e um silêncio ensurdecedor. Duas crianças com um miniparque à disposição e nem tomaram conhecimento da existência do que um dia foi o desejo de tantos infantes.

A atendente, munida de um aparato tecnológico também moderníssimo, com um teclar de dedos estampou, na tela de LED o nome e o número da senha do paciente.

Vendo a inércia de quem era chamado teve que usar o mecanismo antigo:

— Maria Claudia Machado!

Nada!

Segunda tentativa:

— Senhora Maria Claudia!

O filho, de uns oito anos, cutucou a mãe que estava pregada no celular e disse:

— Mamãe, é a senhora!

— Eu o quê, garoto?

— A moça! Ela está chamando a senhora!

Maria Claudia, pois agora eu sabia o nome da criatura, levantou com o celular em riste, caminhou até a atendente, conversou com a moça olhando para o celular, tropeçou no degrau que dava acesso aos consultórios médicos e foi para a consulta.

Não demorou muito, voltou à sala de espera chamando o filho em altos berros e, com o celular nas mãos, pois esqueceu de levar o filho com ela para a consulta, afinal, o paciente era o filho.

Saiu da mesma forma que entrou – com o seu apêndice nas mãos. Agora falava bem alto ao marido, por mensagens de voz, os detalhes da consulta do filho para que todos ouvissem.

Mais uma vez, no meu silêncio, refleti sobre a privacidade da vida de cada um, pois hoje se discute negócios, relações familiares, relacionamentos sentimentais e tantas outras coisas de fórum íntimo, na frente de todos.

Depois de quase todos serem atendidos chegou a minha vez.

Oras, acho que os que foram atendidos na minha frente eram conveniados e eu havia conseguido a consulta pelo SUS.

Entrei no consultório.

O médico estava impecavelmente vestido em um jaleco tão branco sobre o terno azul marinho e camisa lilás com gravata combinando que quase me apaixonei.

Uma sessão de pergunta foi iniciada, mas foi quebrada logo a seguir, pois o celular do médico tocou e ele, me pedindo desculpas, disse:

— É urgente, preciso atender! Minha mãe está doente!

Compreendi, afinal, médico também tem mãe e ela adoece.

Voltamos às perguntas e, pela segunda vez, o celular tocou.

— É a minha esposa, ela está no exterior com nossos filhos e eu fico preocupado quando ela liga.

A terceira vez que ele pegou o celular foi para pesquisar o princípio ativo de um medicamento que seria prescrito para mim.

Abaixei a cabeça e quase tive uma crise de risos, mas me contive.

Após todas as interrupções agradeci aos céus por ter chegado ao fim daquela consulta truncada.

Saí da sala, com a receita nas mãos, segui até a recepção para marcar o retorno.

Tudo resolvido, abri a bolsa, em busca do meu celular para avisar meu marido que podia passar para me pegar…

Mas cadê o celular? Esqueci em casa!

Tive que pedir, gentilmente, à recepcionista, que me emprestasse o telefone para chamar meu marido ou um UBER.

Confesso que fiquei indecisa.

Por fim, resolvi ir caminhando para casa.

No caminho, contando os passos, percebi que os jardins dão menos trabalho.

As plantas florescem de acordo com seus ciclos e só nos pedem água e carinho.

Eu converso com as minhas plantas, pois como disse, adoro conversar com todos os seres, principalmente os vivos, que não são dependentes extremos de tecnologias.

Mas não descarto a ideia de ainda ter um daqueles trecos eletrônicos que a gente faz perguntas e eles respondem.

Vou deixar isso para meus dias de velhice, quando realmente não tiver mais ninguém para prosear.

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