SOBRE SABER ONDE IR – Carmem Teresa Elias

É sempre um prazer trazer os textos da amiga e escritora Carmem, por aqui.

São linhas de profundas reflexões e compromisso com a humanidade, com o desenvolvimento ou subdesenvolvimento do SER HUMANO.

A autora coloca a mão na ferida e pressiona, sem meias palavras, mas com muita elegância e, dessa maneira, vai nos conduzindo por questões tão necessárias de serem repensadas e respondidas com todas as sílabas – átonas ou tônicas.

Apreciem…

Às vezes sinto que caminhamos por um longo corredor que liga nada a nada.

Eu já atravessei vários desertos: O Saara, o Kalahari, o Vale da Morte, o Atacama… os desertos ensinam muito sobre a habilidade de perseverança necessária para se continuar a executar algo difícil, desagradável, doloroso, demorado. Também ensinam muito sobre a vida, sobrevivência, desespero e abrigo. Os habitantes de desertos, sejam os animais, os humanos ou os vegetais adquiriram um instinto a mais: o de camuflar pesadelos na forma de resistência.

Desertos são extremos e nesse aspecto diferem de quaisquer definições filosóficas ou filológicas de bem e de mal. Em desertos tudo é o que tem de ser, nem mais, nem menos.

O que de fato me incomoda, portanto, ao observar o mundo “não deserto” e perceber nele esse corredor do nada ao nada é a sensação que me ocorre como consequência de acompanhar a facilidade pora a devastação, destruição do meio ambiente, a extinção das espécies, o desmanche  das paisagens, enfim, o que me incomoda é ser ainda incapaz de  discernir se o mundo ficou ruim porque as pessoas são ruins ou se as pessoas ficaram ruins porque deixaram o mundo ficar nas mãos dos ruins.

Por mais que se acredite na bondade nata do ser humano, Rousseau falhou. Idem Hobbes e seu Leviatã, haja visto o quão leviano o ser humano pode ser quando tomado de poder, dinheiro e pirraça de Narciso.

Ao contrário dos grandes desertos do mundo, existe algo incomparavelmente pior: a governança em sua supremacia de ilhas. Como em qualquer ilha, círculos do nada ao redor do nada, a cada ano a mesma população de cada tribo condecora, elege e concede cargos e prêmios aos próprios amigos, caciques, soberanos, donos, colonizadores. De ossos a ossos de um ofício duvidoso.

Entre o símbolismo e o realismos dos regimes e sistemas, seja a democracia da aceitação, da cultura de democratização, da globalização da tirania, do absolutismo, da ignorância, das falsas eras de paz e das guerras forçadas, seguimos sendo bandos de almas penadas no pesadelo de ir de nada a nada neste modo vivendis que é só o de destruir.

Acredito que o mundo vive algo tenebroso: há desertos do nada ao nada nos corações humanos.

Porém eu eu vivi a beleza, a nobreza, a natureza e o grande ensinamento dos desertos  da África, da América, alem dos oceanos e as multidões. Quando a chuva rara chega, os desertos terrenos florescem e se iluminam da miudeza diversa de cores, perfumes e vida de seus jardins secretos. Há paraísos que poucos alcançam quando se sabe de fato onde ir.

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