CORPORATIVISMO LITERÁRIO – Por Carmem Teresa Elias

Transmito aqui, para todos, a opinião da escritora Carmem Teresa Elias, uma amiga de anos, experiente e com uma visão sagaz de todo o meio literário, sobre o artigo que postei sábado passado.

Carmem é autora de várias obras, inclusive uma recente – INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL GENERATIVA: A NOVA COLÔNIA -, onde descreve a atual realidade da humanidade, sem meias palavras e com uma profundidade tamanha.

“Vivemos num país de analfabetos funcionais. Isso é fato. O Brasil falha drasticamente no quesito Educação. A cada ano, pior. Alunos não leem, não compreendem as mensagens de um texto, não interpretam e não escrevem. Ocorre um vale tudo macabro em que alunos são automaticamente aprovados sem um mínimo de aprendizagem.

Claro que em tal situação a vida de um escritor sofre as consequências danosas do sistema. Simples: não há leitores num país não se aprende de fato a ler. Ler com qualidade, profundidade e conhecimento.

Como ser autor num país sem leitores?

Soma-se a esta equação o sistema econômico neoliberal onde só o lucro interessa. Sistema em todas as áreas: das escolas que cobram para não ensinar aos livros feitos para não haver vendas.

Para piorar, criou-se uma prerrogativa que todo mundo hoje em dia se autointitula escritor (incluindo máquinas de inteligência artificial). Criou-se a falácia de que a vida que cada um passa em seu quintal pode ser um grande best-seller de um dia para o outro. Assim, desse jeito, muitos anúncios são veiculados nas mídias prometendo milagres para autores.

O mercado editorial, junto a toda essa conjuntura sócio-econômica, está dificílimo. A cadeia do livro não considera o autor. Fato. Editoras, gráficas, distribuidoras, livreiros se encontram, fazem estudos de mercado e debatem em conjunto. E o autor está sempre de fora. Fato!
Como se o autor não existisse e agora em tempos em que a máquina exerce a função de autoria de textos, o escritor é a peça mais descartável. Fato!

Eventos pseudoliterarios ocorrem todos os dias: festas, festivais, feiras, troféus, medalhas, diplomas para todos os lados. Literatura virou sinônimo de festa. Festa cara. Festa barulhenta. Festa literária sem literatura. Festas comandadas pelo lucro de alguns e desgraça de outros. Festas nas quais o autor sequer consegue entrar, e , não raro, tem de pagar caro por uma hora miserável num stand qualquer.

Mas o ego infla, o ego regozija, o ego grita forte e o analfabeto funcional paga para se achar estrela da festa gigante proporcionada por empresas sem nenhum conhecimento do que seja literatura, porem super produzidas para o circo, o
Show, a roda gigante, o carnaval!

De onde vem a responsabilidade?
De tudo e de todos. Do ego que enche o país de escritores que nunca leram, de editoras que publicam tudo e qualquer coisa, de um mercado que só vende o que é anunciado em grande estardalhaço ( livros estrangeiros sobre lobisomens, por exemplo), do público que lota as festas intransitáveis para dizer que compraram livros que nunca vão ler.

Discute-se muito a desunião entre próprios escritores. Fato. Já que muitos são movidos pelo ego, claro que um tenta derrubar o outro. Assistimos quase diariamente.
Discute-se muito a pouca atuação de muitas editoras pela divulgação de autores e obras. Fato. O lucro e o que move o mercado.
Fala-se muito de editores independentes. Ninguém pode ser! Como um escritor vai produzir, divulgar, distribuir e vender seus próprios livros? Utopia!

Em mais de 40 anos na área, já passei por editoras e auto publicação. Várias vezes. Não gostei de grande maioria das tentativas. Editoras que não cumprem contrato. Autopublicacao em plataformas automáticas: experiência extenuante, sem controle de qualidade do material impresso, sem absolutamente nada nem ninguém que dê qualquer tipo de suporte ou apoio. Não recomendo auto-publicação. Não é novidade. Existe há uns 20 anos e só duplica o trabalho do autor

Solução? Não tenho. Mas se todos os autores juntos parassem de escrever, será que haveria algum efeito mais promissor?
O abismo parece intransponível.
E não isento os escritores de culpa conjunta nesse emaranhado de anti-literatura.

Corporativismo literário! O que é isso, afinal!”

Carmem Teresa Elias

Respostas de 11

  1. Texto perfeito, Carmem!. Um bisturi cortante. Um tapa na cara de muita gente. Hoje, títulos são distribuidos a torto e a direito alimentando a fogueira das vaidades. E o ego volúpio e sem limite aceita qualquer homenagem, mesmo sem merecimento; gente que nunca escreveu vira embaixador na literatura, máquinas de inteligência artificial criam best-sellers; feiras literárias promovem o lixo e não cultivam mais a memória.
    Ainda não temos solução, mas estamos no caminho, a partir do momento que acordamos em pleno olho do furacão e conseguimos enxergar o caos e em que órbita nos acomodarmos num novo universo…

  2. Boa tarde. Parabéns pelo espaço, Malu.
    Grande texto da Carmem onde só li verdades. Nosso País preza pelo artificial, o lixo, o algoritmo. Infelizmente, existem milhões de analfabetos funcionais. Para sobreviver nesse mundo da Literatura, ou melhor, da indústria, tem de se lutar muito e com coragem.
    A máquina governa o mundo, os países desenvolvidos, agora está aqui para boicotar o trabalho árduo dos escritores. Pois é, isso é muito complicado. Eu não vejo ter fim, mas tem de haver um movimento contrário a isso.
    Não tenho o que acrescentar.
    Parabéns pra Carmem, sempre mega talentosa 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
    Parabéns, Malu, outro grande talento. Tenho a honra em tê-las como amigas❤️❤️❤️❤️
    Sou muito fã do trabalho de vocês. Sempro irei falar o mais do mesmo, rs.
    Tudo de bom pra vocês. Um abraço no Expedito. Beijos, Malu.
    Tenha uma excelente semana.

    1. Pois é, muitas vezes a gente fala para não ficar engasgada… silencia-se, depois e segue adiante! Muitos juntos, Giverly, e outros, no mais absoluto individualismo. Mas por semos individuais, cabe aqui o respeito.

  3. Sempre escrevi, mas escrever para soltar no mundo, a partir de 2020. Escrever com a intenção de publicar um livro, de 2024 para cá. Foi aí que comecei a entrar nesse mundo que, muitas vezes, nos gera ansiedade para ter um lugar ao sol. Após indas e vindas, em descobrir que seguia e engajava um monte de escritores que simplesmente me ignoravam; de recusar a publicação por uma editora por me sentir desvalorizada e depois descobrir que, via de regra, a maioria desvaloriza mesmo, pasmem, o escritor; após iniciar uma saga de produção independente que ainda não saiu, eu tenho repensado que escritora quero ser. Quero encarar esse mercado editorial? Quero ser famosa, reconhecida, ganhar grandes prêmios? Legal se alguma coisa assim acontece, mas tenho voltado aos tempos que eu escrevia sem me preocupar com nada disso. Escrevo porque quero, porque gosto e gosto de histórias, reais ou não, e as quero, não somente compartilhá-las como estar em compartilhamento com as histórias de outros escritores. Quero afetividade, algo que falta nesse mundo mercadologico, onde os likes, os influencers, os engajamentos são entes impessoais, sem emoção e sem sentimento. Para mim, a quatidade de escritos vendidos importam menos do que as palavras afetuosas, os abraços e os incentivos que recebo. Porque sim, as relações capitalistas nos consomem de uma maneira para acharmos que somos incompetentes e desinteressantes se nossas redes sociais forem feitas somente por amigos de verdade que, convenhamos, são poucos. Nos faz o tempo todo pensar em desistirmos por não sermos tão bons. Somos levados a nós sentir sempre insuficientes para manter a máquina. Até alguém, de forma carinhosa, sugerir que você continue e aí a gente repensa e segue em frente. A performance mais potente é a afetiva. O resto é dinheiro, poder e vaidade.

    1. Aury, infelizmente o escritor é o único ARTISTA que não é considerado artista. A maioria dos segmentos artísticos consegue sobreviver sa sua ARTE – o músico toca na noite e ganha por isso. A bailarina dança e ganha, o ator representa e ganha… mas o escritor, em concursos, em leis de incentivo, em feiras, festivais e bienais só gasta e na maioria das vezes não consegue recuperar o mínimo investido para a publicação de suas obras… De quando criou-se a APESUL até hoje, vejo muitas pessoas desestimuladas, a maioria são pessoas maduras, no nosso grupo, todos com profissão paralela e competindo com a IA, nos dias de hoje… Mas sigamos, refletindo!

  4. Verdades potentes nesse texto da Carmem e no da Malu. Faz a gente pensar no nosso “ser escritor”. No meu caso, escrevo para derramar todo o turbilhão que se aloja na minha mente. Essa mente que me integra está repleta de História, de Educação, de Poesia, de sonhos (e utopias), de anseios (e ansiedades), de um universo (ou muitos universos) que precisa transbordar (e isso se nota pela quantidade de livros e e-books que já publiquei). Mas, ao invés de esvaziar a minha mente, eu a encho ainda, pois antes de ser escritor, sou leitor e não abro mão de alimentar os turbilhões mentais com aquilo que engrandece e enobrece o que depois transbordarei na escrita. Pena que muitos dos ditos escritores não são leitores ou não apreciam essa “dialética mental” de, ao mesmo tempo, alimentar e transbordar, alimentar e transbordar… Transbordam escritas fétidas ou sequer transbordam, permanecendo rasos (a “profundidade de um pires”) em um mundo de vazios e superficialidades (e artificialidades).

    1. A intenção desse espaço é realmente difundir CULTURA e saber que, quem entra aqui, tem sempre uma reflexão para ser feita. Como disse, Gustavo, antes de escrever esse texto para outras pessoas, esses questionamentos, muitos deles, eu fiz para mim mesma.

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