Há dias que emperram.
A gente já acorda se arrastando.
Brota, não sei de onde, aquele pensamento de que nada vai dar certo.
Um desarranjo absurdo que só cresce, com o passar das horas.
Dias em que o leite entorna, o arroz queima, a máquina de lavar transborda.
É nove da manhã e o sentimento é de que o dia não vai acabar.
Meia-noite nunca chega.
O corpo dói.
A alma se inquieta e um trem desgovernado vai derrubando tudo.
São esses dias que requerem que realmente vivamos.
Eles existem para nos conscientizar que responsabilidades existem, que tristezas apossam-se de todos, sem distinção… mas que também passam.
São dias que nos reavivam a existência da alegria, da necessidade do equilíbrio e que, acima de tudo, é preciso nos desvencilharmos dos excessos.
Dias assim são frutos dos acúmulos sem nexo.
Acúmulos de preocupações sem fundamento, de atividades frenéticas e desperdícios de energias por conta de coisas sem fundamentos.
É difícil manter o foco porque estamos vivendo um tempo em que tudo chega em avalanches… tudo junto e misturado, ao mesmo tempo, sem filtros, sem delicadezas, sem freios e, a gente, num frenesi incontrolável, quer tomar tudo num gole só.
Falta peneira, coador…
Uma centrífuga que não para e, por mais absurda que seja a velocidade, não consegue separar o que nos é valoroso e o que não tem pertinência nenhuma.
Em dias assim a exaustão é tanta que a sensação é a mesma de um infarto – primeiro a falta de ar, depois a dor lancinante… a escuridão e por fim, o corpo estático, a receber cargas elétricas para retomar o fôlego.
O alento é que tem cura!
Dias asssim dependem única e exclusivamente de nós.
São os verdadeiros momentos nos quais podemos provar que somos donos de nós mesmos – da nossa respiração consciente, dos nossos passos mais firmes, dos sentimentos menos passionais.
A plenitude está no controle.
Está naquele sabor que nos absorve por inteiro, dando um prazer imenso.
Está no sossego e na transcendência consciente de nos conhecer em cada centímetro da nossa matéria e espírito.
O leite entornou, limpe!
A máquina transbordou, conserte!
O arroz queimou, faça outro!
Caiu? Levante, com mais força, equilíbrio e vontade!
Ninguém é por nós, a não ser nós mesmos.
As companhias podem ser incríveis e necessárias, mas o princípio da solidão e a habilidade de conviver com ela, apreciando nossos silências, é fundamental.
Dias assim precisam do nosso silêncio e da nossa comunhão com a gente mesmo.
Dias assim nos fazem descobrir que, apesar da intensidade abundante do lado de fora, flui um rio cristalino e tranquilo, dentro de nós, irrigando as fendas ressequidas, as quais, muitas vezes, esquecemos de regar.