O sol, ainda morno, preguiçosamente invadia as frestas da janela.
As cortinas esvoaçavam de forma quase imperceptível.
Talvez só eu visse esse esvoaçar, pois eu também me sentia como o sol, no início da aurora, nessa hora em que o astro dourado está escolhendo as cores para pintar o dia.
Peguei a água que estava pronta para começar a ferver. Borbulhas minúsculas se formavam no fundo do canecão. Pensei, silenciosamente, o quanto gosto desse ritual matinal, onde o mundo não está totalmente acordado.
O aroma do café invadindo cada parte da casa e do meu corpo.
Percebi um bem-te-vi, cantando ao longe, anunciando que tinha me visto; arrulhos de pombos e rolinhas fazendo festa no quintal, entre os pés de acerola e jabuticaba.
Peguei a xícara que, deliciosamente, esquentou os meus dedos.
Sentei-me na varanda.
Observei as flores miúdas ao pé da escada que dava acesso ao quintal, ainda de terra batida e grama verdinha.
Enquanto sorvia o café, degustava o seu cheiro, numa ação meticulosa, carregada de respeito e gratidão.
Levantei e caminhei, bem devagar, mas sem contar os passos.
Nina roçava seu corpo de pelo macio pelas minhas pernas com um afeto jamais encontrado em muitos seres humanos, ronronou e olhou-me nos olhos como quem diz: “EU TE AMO!”
Pensei no mundo!
Pensei em tudo que existe no caldeirão do universo e descobri, que dentre todos os ingredientes, o que devemos usar sem parcimônia são as delicadezas, as levezas, gentilezas e a poesia… Usar com exageros, os distribuindo com abundância, sem saber se serão absorvidos pela humanidade.
Instantes vividos lentamente, deixando as sensações de felicidade tomarem conta de cada pedacinho de mim.
A FELICIDADE latejava na alma, disparando alegrias cheias de cores… talvez mais coloridas do que qualquer quadro de Romero Britto.
Sorvi o último gole de café. Esse já estava quase frio, como certas coisas cotidianas, que começam fervendo, mas à medida que vamos contornando-as, elas vão amenizando suas proporções.
Estava pronta!
Respirei fundo!
Preparei-me para receber o dia, sabendo que a felicidade é sentimento que caminha ao lado, como um cão-guia e que a gente vai tateando a caminhada, de preferência, descalços, engolindo terrenos conhecidos e desconhecidos.
Tudo isso na singeleza de um amanhecer, vivido sem pressa.