CONSERTANDO O MUNDO…

Essa história não é minha. Não! Aliás é uma parábola muito conhecida.

Conta-se que um dia, um cientista pegou seu filho dentro do seu laboratório e, isso fez com que ele ficasse nervoso, pois não queria que o filho tirasse nada do lugar. Para distrair a criança, tirou de uma revista um mapa, recortando-o com uma tesoura. Era o mapa mundi que estava numa das páginas, e deu ao filho para que ele montasse o quebra-cabeça. Depois de dois minutos o filho disse que estava pronto. O pai incrédulo perguntou: “mas como você conseguiu consertar o mundo meu filho? Já conhecia o mundo como ele era?” O filho respondeu: “Não! Mas como atrás do mapa havia um homem, eu consertei o homem e sendo assim o mundo também se consertou.”

É mais ou menos isso, poderia ter colocado um rococó aqui, um arabesco ali e enfeitado o pavão, porém tenho certeza que todos conhecem o texto.

Lembro-me que li essa história nos meus tempos de aulas do magistério. Era conteúdo da revista Seleções, versão brasileira da Reader’s Digest, e o professor de sociologia, Dirceu, gostava demais dos conceitos inovadores que chegavam até ele mensalmente. Confesso que para mim era uma versão muito americanizada que, em sua maioria, não tinha muito de filosófico ou sociológico. A revista era composta por histórias curtas, inspiradoras; outras vezes compilações de romances de autores que não conseguiam publicar ou transpor os caminhos da evidência nos meios editoriais e acabavam indo parar num sanduiche do periódico mensal.

Eu não gostava da qualidade da revista, também, pois a impressão era toda feita em papel jornal e a capa mole (hoje já existem publicações mais rebuscadas disponíveis, com capa dura e papel polen, gramatura mais encorpada).

Escrever é coisa danada! Viajamos e damos voltas para chegar num assunto que poderia ser abordado de maneira mais concisa, com uma precisão cirúrgica… Mas enquanto damos essas voltas, esse floreio, com toda certeza estamos trazendo o leitor para perto, para o exercício da leitura e a sua função social primordial que é a reflexão.

Se o assunto é delicado ai temos que caprichar, fazendo uso de todas as figuras de linguagem e, para não passar nervoso e nem correr o risco de ser processado, descemos os reios nos eufemismos.

Creio que a parábola que citei acima, para os dias atuais, já está totalmente descabida.

Creio que a humanidade não tenha mais conserto!

Aí é aquela hora que você me pergunta: “Malu!!!! Onde está aquela sua visão otimista, aquela alma florida, o encantamento das bruxas, fadas, duendes e castelos de cristal?

Perdi minha inocência! E, quando se perde parte dela, as coisas se tornam complexas.

As pessoas perderam a noção de civilidade. Lavam roupa suja cantando bem mais alto do que as lavadeiras no rio com muitos lençóis para lavar, como diz Lenine. Trocam farpas e atiçam espinhos mais doloridos do que os próprios ouriços.

Tudo é normal!

Tudo pode!

Invadem redes, desferem ódio, inveja, copiam, colam, cancelam.

Fazem e desfazem amizades intensas quase que no mesmo instante.

Esquecem que territórios alheios são sagrados.

Somos stalkeados em tempo real, principalmente aqueles que agregam aos perfis suas lives ou stories com conteúdos particulares e muito pessoais, mas muito pessoais mesmo….

Sim! Perdi a crença patética que me restava acerca do ser humano, todavia tomo cuidado para proteger àqueles que me são caros e deveras admirados por mim. Esses nunca precisarão ser reconstruídos.

Foi-se para sempre a paciência que eu tinha em travar diálogos com ouvidos moucos.

Não estou mais acessiva a devolutivas e nem propensa à arte da retórica, já que muitos não conhecem a dialética.

Atualmente tenho observado tudo à distância.

Zygmunt Bauman, há 23 anos atrás, já desvendava de maneira escancarada a fluidez e a fragilidade dos laços humanos.

Uma modernidade que abriga seres fugazes, como fantasmas, onde, ao passarmos as mãos pela estrutura corpórea à nossa frente não conseguimos nos agarrar a nada. Um rio que corre sem se tocar nas margens, para lugar algum.

A Fúria! O Imediatismo!

Amar e desamar instantaneamente.

Não conseguir nutrir as esperas, tão necessárias para estabelecer contatos, respeitar interiores.

A língua só quer correr, mas não mais entre beijos à borda dos lábios ou boca adentro.

A língua quer gesticular suas insatisfações para agredir o outro.

” A cobra não tem pé; a cobra não tem mão… Como é que a cobra sobe no pezinho de limão?” Ela vai se enroscando, enrodilhando no troco, chegando nos galhos mais altos e, por fim, se esconde entre as folhas da copa, para dar o bote…

Não consigo compreender o poço sem fundo dos humanos mais limitados, na bondade e no intelecto.

No mais, tudo é puro desvario!

Respostas de 4

  1. “Não consigo compreender o poço sem fundo dos humanos mais limitados, na bondade e no intelecto.” – Eu não tento compreender. Ficaria louco. Quem não conhece a bondade briga com seus monstros interiores e tentar compreender isso é entrar numa vibe insípida e sem cor. O certo é seguir próximo à margem e mais à superfície do rio e deixar-se levar. Curtir a paisagem.

  2. Um grande e forte desabafo. Tem situações que tudo fica realmente confuso. Já até ouvi essa expressão: “o homem é o macaco que não deu certo.” Apesar de tudo e dos sofrimentos, a humanidade ainda está caminhando. Se cada um acreditar em si, muito coisa muda. Assim espero!

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