EROS, TÂNATOS E LADY GAGA: a Psicologia de um Espetáculo – Por Carmem Teresa Elias

A natureza humana é dual. Ao mesmo tempo em que persegue a vida, carrega com ela o impulso da morte. Segundo Freud, um dos maiores desbravadores dos enigmas da psiquè humana, além de buscar o prazer, carregamos uma força obscura que nos impulsiona em direção à autodestruição. São as pulsões de vida e de morte que norteiam a complexidade da mente humana.

A vida e o show de Lady Gaga nos mostram de modo elucidativo como esse duelo se debate em nossa mente. A cantora, compositora, atriz e performer traz ao palco o espelho de sua própria luta íntima. Vítima de estupro, que provavelmente lhe deixou de herança sintomas patológicos de fibromialgia e lúpus, ambas doenças deflagradas por fundo emocional, Lady Gaga mergulhou e travou sua luta contra a autodestruição e impulso de morte. Cancelou shows. Seria o trauma de Eros a causa de tanto sofrimento? Tânatos a perseguia e a luta era só dela.

Eros, o instinto da vida, enquanto força invisível a mover nossas ações, é o poder de luta e superação, uma força motriz de combate a Tânatos, capaz de regular a busca pelo prazer.

Os impulsos, contraditórios, levam a mente inconsciente à repetição compulsiva tanto do sofrimento quanto da necessidade de prazer. Aliás, prazer e desprazer compõem duas faces de um mesmo complexo mental, relacionadas que são à quantidade de excitação presentes na vida mental.

Lady Gaga trabalhou sua mente e sintomas conturbadas e retornou generosa e suntuosa em sintonia com sua vitória de Eros. Mas traz aos palcos a repetição, de sofrimento, luta e cura, em seu show. Mais que um show, uma biografia coreográfica de seu interior. Sua dor, sua inércia, suas moléstias, sua morte simbólica estão lá, de novo. Idem, sua garra de vida, sua sexualidade, sua energia. Ambas as pulsões tanta a reaproximam como a afastam de suas derrotas e superações.

Ela dança com a morte no palco: sua morte, revivendo-a, reinventando-a, tratando e curando-a rumo à estabilidade.

A representação teatral de sua própria trajetória psicológica íntima, transformada em ópera rock, nos palcos, evidencia como a Arte tem o poder de construir, por meio da ficção e na encenação, o princípio de realidade e autopreservação do ego.

Creio que é desse duelo de Eros e Tânatos que surge a força do espetáculo de Lady Gaga, duelo inconscientemente travado por todos nós. A Arte imita a realidade, nos expõe a ela, ao que tememos ver nela, ao que dói em nós do contato com ela. Mais do que um show, Lady Gaga mostrou ao seu público uma representação de si mesma e ao mesmo tempo de cada um de nós. Morte ou vida? Inseparáveis, nos cantos e nos aplausos.

Carmem Teresa Elias é autora, docente, pesquisadora e palestrante em Literatura Comparada, Análise de Gêneros Textuais e IA. Com 13 livros literários publicados, além de artigos acadêmicos e material didático.
Vice presidente da União Brasileira de Escritores – RJ

Facebook Comments Box