LUA DE MEL AGITADA…

Há certas coisas que hoje são absolutamente mais compreensíveis, aceitáveis e tidas como “NORMAIS”, ou melhor, naturais, pois seguem o fluxo dos novos moldes sociais e, quer se goste ou não, de uma forma quase imperceptível, somos moldados a todos os instantes.

Porém essas mesmas coisas, nos anos de 1970, eram completamente ultrajantes e feriam as famílias de bons costumes.

Bons costumes – outra coisa bem subjetiva, pois muitas vezes o que é bom para um pode não ser para outro -, mas vamos lá, discutir valores é algo que também se torna completamente imensurável e, portanto, subjetivo.

Vicentinho era um galã. Moço de fino trato, criado por família tradicional, não em questões monetárias, mas em questões dos tais valores.

Formou-se em Instituição Religiosa, com louvor, laureado várias vezes, durante os tempos de escola.

Saiu Técnico em Contabilidade e arrancando suspiro das meninas do bairro.

Trazia traços dos anos 60. Um topete bem arranjado e carregado de brilhantina, em desuso para a época.

Paquerador, nos auges dos seus 23 anos, bicava todas as garotas, lembrando que na época não havia penalidades para um rapaz maior de idade cortejar, namorar, noivar e casar com uma jovem de 16 ou 17 anos.

A mãe de Vicente, dona Ana Maria, mais conhecida como dona Aninha, e para ficar mais fácil o chamamento, Doninha, era dessas mães italianas, matrona, fazendo uso de todas as suas forças para manter o caçula de cinco filhos na linha.

Mas não adiantava de nada os apelos maternos.

Vicentinho só ouvia e fazia o que lhe era conveniente.

O que não podemos negar é que o moço era muito trabalhador, tanto quanto era namorador.

O que a gente nunca percebe é que, no coração não mandamos e paixão bate na porta sem aviso.

O rapaz caiu de amores por Aparecida.

Os dois se conheceram em festa familiar, dessas em que a irmã convida a prima da tia da mãe do cunhado…

Cidinha não era vista com bons olhos na vizinhança, que se conhecia por nome e sobrenome, porém Vicentinho de uma hora para outra não tinha olhos para ninguém mais.

A contragosto da mãe, pois o pai nada opinava, em menos de um ano a cerimônia do casamento aconteceu.

O mulherio da casa se reuniu, deu conta de organizar a festança. Os arrulhos eram dos mais alegres.

Aos homens coube a responsabilidade de cuidar da Lua de Mel.

O tio Pedro emprestou seu Opala Comodoro, que era seu xodó, para que os pombinhos saíssem de São Paulo e fossem para Poços de Caldas, afinal, Cidinha queria conhecer o relógio feito de flores de tanto ouvir as amigas comentarem.

Festa linda, emoções com direito a lágrimas; Doninha chorando de raiva e com a cara fechada, mas mantenho a elegância.

Vieram parentes de todos os lados.

Bolo grande, com um buquê de flores idêntico ao da noiva, sobre o glacê batido à mão e confeitado de maneira bem artesanal que era top naquele tempo.

Barril de chopp, guaraná de garrafa, docinhos a dar com pau e lanche de carne moída.

Fim da tarde, céu escurecendo, festa quase acabando, os noivos entraram no Opala do tio e seguiram fundo para Poços.

Mal puseram os pés no hotel, Aparecida começou a passar mal. Fortes dores, daquelas de se contorcer.

Era magra, como um palito. Teve até quem achou que ela engordou um pouco, mas ela usava a desculpa do casamento, que andava comendo de ansiedade.

Vicente entrou em desespero quando, ao entrar no quarto, viu uma enxurrada de água desabar pelas pernas da esposa.

Foi um corre-corre danado.

Pedidos de ajuda, sem saber o que acontecia.

Só sabemos que na noite de núpcias, marido e mulher passaram os momentos de prazer no hospital da cidade que eles nem conheciam.

Depois de 5 horas em trabalho de parto Aparecida recebia um embrulhinho em seus braços e, com uma cara de cachorro lambido, olhou para o esposo e disse: “é nosso filho, amor!”

Vicentinho suava frio, mais perdido como agulha em palheiro.

Cidinha, não sei se por ingenuidade ou por cinismo, olhava para o companheiro sem fala, pálido e aturdido e continuava: “ficou tão feliz que nem sabe o que dizer… Papai está sem fala de tanta felicidade, amorzinho da mamãe.”

No fim da tarde, logo após o dia da lua de mel, Vicente entrou no carro emprestado pelo tio, ajeitou a esposa com o filho nos braços, apenas enrolado num cobertor de hospital e fez uma viagem de volta para a casa e que, nunca esquecerá na vida, pois parava a cada meia hora para ir ao banheiro. Foi acometido de uma diarreia intensa, não por medo de criar o filho, mas por saber que levaria uma surra da mãe, ao chegar em casa com uma criança no colo…

Criança que apenas seria esperada para os próximos dez meses de casamento, como previa o protocolo da época.

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